Vivemos dentro de um contrato silencioso no nosso mundinho das coberturas esportivas. Os leitores/telespectadores/torcedores pedem para que os escritores/colunistas façam previsões sobre o próximo ano ou campeonato, estes fazem, os outros a consomem. Todo mundo finge que isso é normal, sério e que não são só deduções forçadas que tem tudo para não dar certo. Uns desesperados para ~gerar conteúdo~, outros querendo consumir esporte até quando não está acontecendo nada. Ao se conferir as previsões com a realidade, sempre um resultado nada surpreendente: algumas estavam certas, outras estavam erradas.
Infelizmente não tenho aqui os números certinhos aqui, mas li um tempo atrás sobre um estudo que fizeram anos atrás com dúzias de comentaristas especialistas em NFL. Pediram para eles apostarem nos campeões de cada divisão antes da temporada começar e depois foram conferir os resultados. Acertaram em uma porcentagem digna de cara e coroa. E nem precisava um estudo sério sobre isso, vemos acontecer o tempo todo. Mas por que fazemos isso mesmo?
O primeiro, já citado, é que somos viciados em esporte. Como assim falta um mês para começar a temporada e ninguém escreve nada? Faça um preview! É um jeito da gente falar do que está acontecendo mesmo com nada acontecendo. Lembro que alguém no Twitter me criticou quando eu falei muito do Jeremy Lin no preview do New York Knicks. Era bem isso, ele queria saber do futuro, de previsões mirabolantes, e eu acabei falando do passado. Do que mudaria quando o time perdesse seu armador titular da temporada anterior. Para o torcedor aquilo era assunto ultrapassado.
Mas eu entendo isso porque tem um outro motivo que nos leva a querer essas previsões, sejam elas análises ou simplesmente palpites. Nós precisamos saber o que deveria acontecer quando assistimos um evento esportivo. Pensa bem, não é muito mais legal assistir aquele esporte bizarro nas olimpíadas quando descobrimos quem é o atual campeão? E quando sabemos quem é o seu maior rival, o recordista e os dois que tem uma rixa antiga? Quando um brasileiro está competindo é algo assim, temos pelo menos uma informação, sabemos para quem devemos torcer. Quando temos outras informações, sabemos para quem torcer contra, de quem esperar genialidade e por aí vai.
Eu já tinha isso rascunhado na minha cabeça há algum tempo, mas ficou bem mais claro acompanhando o UFC. Muita gente virou fã, me fizeram assistir. Só que eu não entendia nada, pra mim era só briga de sunga. O que, convenhamos, não é lá um dos melhores atrativos para um sábado à noite. Mas aí alguém me explicou dos estilos de luta, o que fazer quando alguém usa tal estratégia. Aí conheci os grandes nomes e, mais importante, comecei a ler os previews antes das lutas. Caras comentando o estilo de cada lutador e o que cada um deveria fazer para superar o adversário. Pronto, eu tinha com o que me ocupar durante a luta. Não sou fã, mas aprendi a assistir.
Porém fazer um comentário específico sobre uma única luta é um negócio, outra é fazer um preview de um campeonato inteiro, como às vezes tentamos fazer com a NBA. E tem mais, é bem mais fácil fazer comentários futurísticos em esportes individuais, onde temos a história do cara como base. Mas e com times? E com grupos que nunca vimos juntos?
Mas é aí que entra a outra graça do esporte: a surpresa. Nós adoramos uma zebra, uma troca inesperada, uma contratação maluca, um Jeremy Lin que veio do absoluto nada para encantar o mundo. Então as previsões tem um caminho duplo, elas são feitas para a gente conseguir acompanhar o esporte sabendo minimamente o que deve acontecer, isso faz a gente criar uma relação e uma intimidade com o jogo. Por outro lado, nós precisamos do inesperado. Precisamos do plot twist na história, aquilo que nenhum especialista pode prever. Precisamos que as previsões não estejam sempre certas para não estragar a surpresa.
Ok, escrevi uns 6 parágrafos a mais do que planejei para introduzir o tema. O plano inicial era falar de alguns jogadores que estão bem melhores do que qualquer um poderia imaginar antes da temporada começar. Não são só dos que ninguém conhecia e que começaram a brilhar, mas jogadores veteranos que nós víamos como em plena decadência e que deram a volta por cima. São três que tem mais de 30 anos e se reinventaram na carreira.
Começo com o cara que mais me surpreendeu, Matt Barnes, 32 anos. O ala do Los Angeles Clippers está com médias de 14 pontos e 40% de acerto da linha dos 3 pontos em dezembro. Ele tem sido o melhor defensor de perímetro do time mais quente da NBA (14 vitórias seguidas, a maioria surras humilhantes), acerta bolas da zona morta como se fossem lances-livres e tem feito inúmeras cestas fáceis só por se mexer da maneira certa em quadra e esperar os passes geniais de Chris Paul. Não exagero quando digo que em pelo menos umas 4 vezes nessa temporada eu terminei de ver um jogo do Clippers achando que Matt Barnes foi o melhor jogador do time em quadra. Nada mal para um cara que estava desempregado pouco tempo antes do campeonato começar.
Depois de uma passagem bem discreta pelo Lakers, ele não despertou muito interesse ao redor da NBA. Aí um dia comentou com seu amigo Chris Paul que estava sem perspectiva para jogar e o armador deu a sugestão para a diretoria do Clippers. Por que não chamar o cara? Espaço no elenco, apesar da contratação de Grant Hill, eles ainda tinham. Ou seja, Chris Paul melhor General Manager da temporada. Barnes se destaca por saber se mexer sem a bola, parece que não se encaixou muito bem no Lakers, onde o time se mexia pouco e os cortes em direção à cesta eram limitados devido a presença sempre de Andrew Bynum ou Pau Gasol na área pintada. Só como arremessador ele pouco chamou a atenção.
O Clippers, por outro lado, é um time que cria muito espaço. A defesa é obrigada a reagir sempre que Chris Paul começa a driblar e atacar a cesta, precisa se mexer quando o armador faz o pick-and-roll com Blake Griffin e sempre devem estar atentos com os rebotes de ataque de DeAndre Jordan. Matt Barnes tem sido o melhor do time em ler as reações da defesa e achar o espaço vazio para pontuar.
Outro que se reinventou nesse ano é o outrora conhecido como Ron Artest, Metta World Peace. Não sei que Herbalife ele tomou no verão americano, mas ele voltou para essa temporada muito mais magro que nos últimos anos, muito mais ágil e ainda com aquele peitoral feito de concreto. Apesar dos 33 anos de idade nas costas, ele está lá ao lado de Carmelo Anthony, LeBron James e Kendrick Perkins como os caras mais fortes da liga.
Com a melhora física, World Peace passou a defender melhor que nos últimos anos, lembrando mais o Artest de anos atrás. Para falar a verdade, ele estava defendendo bem nos últimos anos, mas estava cada vez com mais dificuldade de enfrentar jogadores mais baixos e leves e tendo que se contentar em defender caras no seu nível de velocidade e mobilidade. Nessa temporada ele voltou a fazer diferença contra caras ágeis, como foi o caso da defesa fora de série que ele fez sobre Carmelo Anthony no Natal. E seus 37% de acerto dos 3 pontos, um número bem respeitável, está pau a paul com as médias que ele teve em Sacramento e Houston,
lá pelos seus 28 anos, no seu auge ofensivo.
Aliás, falando em auge, arriscaria dizer que estamos vendo o melhor ano da carreira de Metta World Artest. Seus melhores números para uma temporada são dos 7 jogos que ele disputou em 2004-05 antes de ser suspenso pelo resto do ano naquela briga épica em Detroit. Anos depois, em Sacramento e Houston, teve bons números de ataque. Nos anos de Bulls no comecinho da carreira ele chegou a ter 3 roubos de bola por jogo!
O Artest desse ano não é o melhor na defesa, não é o melhor no ataque, está um pouco abaixo dos seus melhores dias como arremessador e a forma física, embora espetacular, não tem a vitalidade dos 25 anos. Como então esse pode ser considerado seu melhor ano? Primeiro que ele está bem próximo de suas melhores marcas em todos esses aspectos, depois que está fazendo tudo isso ao mesmo tempo e sem prejudicar o time. Desde que ele chegou no Lakers a única real confusão que ele se meteu foi a cotovelada em James Harden, mas foi um lapso momentâneo em algumas temporadas bem tranquilas para seus padrões. Ou seja, ele está perto do que fazia nos melhores anos, mas agora usando esse poder para o bem. Não para brigar com companheiros, técnico, aparelhos de TV, torcedores e nem querendo desistir de tudo para promover seu álbum de rap.
Fechando o trio de mudanças imprevisíveis, cito Jason Kidd. Um dos armadores mais espetaculares de todos os tempos, o cara com olhos nas costas, um dos grandes passadores da história da NBA agora faz carreira como arremessador. Sim, o mesmo cara que era chamado de Ason Kidd porque não tinha J de jumper!
Tá bom que na temporada passada, ainda no Dallas Mavericks, ele cada vez menos concentrava o jogo em suas mãos e atuava longe da bola, castigando os adversários com um arremesso de 3 pontos que ele demorou décadas para aprender. Porém ele ainda era o armador do time, o cara que levava a bola de um lado para o outro, o cara que começava e ditava o ataque. Mas esse ano não, no Knicks esse trabalho é todo de Raymond Felton. Jason Kidd, embora, claro, sempre dê bons passes e ajude horrores em fazer a bola se mexer, é, oficialmente, um shooting guard.
E pior, uns 10 anos atrás a defesa de Jason Kidd era considerada uma parte fraca do seu jogo. Hoje ele marca até alas dos outros times, incluindo caras como Kobe Bryant, com uma maestria difícil de se ver em caras de 40 anos de idade. Juro que nunca vi um jogador mudar tanto na carreira desde que o Rincón deixou de ser atacante pra virar primeiro volante. Sei que a mudança de Jason Kidd foi gradual, mas nessa temporada chegou a um ponto que eu nunca imaginei possível. O Knicks agradece, um shooting guard que sabe como rodar a bola e mete suas bolinhas de vez em quando tem sido um dos segredos para a eficiência do grupo de Mike Woodson.
Até dá para citar também Tim Duncan, que está fazendo sua melhor temporada dos últimos 3 anos, talvez. Esqueci de mais algum vovô que está mandando bem quando todo mundo esperava o contrário?