>Não farei uma piada com a frase "Houston, nós temos um problema"

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Facepalm!

Quando o Houston Rockets, na temporada passada, estava chutando uns traseiros e surpreendendo todo mundo apesar da ausência de Yao Ming, o maior pânico do técnico Rick Adelman era que Tracy McGrady ficasse saudável novamente. Não importava que T-Mac fosse uma estrela, e que pudesse vencer um ou outro jogo sozinho – a dúvida diária sobre ele entrar em quadra ou não, dadas suas lesões constantes, não valia a pena. Nada é tão eficiente para acabar com um time do que lhe tirar a certeza da rotação, dos papéis em quadra e do padrão de jogo. Uma equipe que tem que jogar de um jeito diferente todas as noites não aguenta o tranco. Aquele Warriors do Don Nelson, em que os jogadores nunca sabiam se iam jogar, por quantos minutos, e em qual posição, era um pesadelo kafkaniano. Aposto que jogadores como o Marco Belinelli até hoje acordam chorando no meio da noite após um pesadelo em que o Don Nelson é contratado para treinar o Hornets. O Belinelli agora está muito bem obrigado, e o próprio Warriors é um time bastante diferente só de saber quem vai entrar em quadra.

Mesmo estando supostamente saudável, o Houston se livrou do T-Mac o mais rápido que conseguiu. Agora ele está lá no Pistons e mesmo jogando cada vez mais minutos ainda é uma dúvida constante, nunca dá pra saber se ele estará em condições de jogo. Somando isso ao fato que o Pistons não faz ideia se está tentando vencer ou se está reconstruindo o time, temos casos bizarros como o Austin Daye ser titular num dia e sequer entrar em quadra no outro. E os resultados são sempre catastróficos.

O Houston da temporada passada, sem T-Mac, não foi para os playoffs – mas foi por pouco. Com Kevin Martin na melhor forma física da carreira, as chances de se sair melhor nesse ano eram grandes. Mas aí o Houston passou a lidar com a volta de Yao Ming. Seria ridículo achar que o time piora com sua presença em quadra, pelo contrário, só de estar lá existindo e respirando, sem nem levantar os braços, o Yao Ming já faz o Houston um time melhor. Seu tamanho por si só altera infiltrações no garrafão defensivo e cria espaços ao ser marcado no garrafão ofensivo. Mas seus minutos limitados por ordens médicas (sempre os sugestivos 24 minutos por jogo) e a proibição de jogar em dias seguidos trouxe para o Houston aquele fantasma de Tracy McGrady.

Quando Yao está em quadra, o time precisa aproveitá-lo ao máximo, afinal ele terá que ir para o banco em breve. E isso é até bom, porque os passes chegam em sua mão e o time é realmente melhor quando as jogadas ofensivas se focam nele e em sua capacidade de passar a bola para o perímetro. Mas quando ele senta e não pode mais entrar em quadra, é como se o time inteiro precisasse encontrar um outro modo de jogar que tivesse esquecido durante o jogo. Os jogadores não estão envolvidos, as movimentações de bola precisam ser diferentes, é como começar um novo jogo no meio de outro. E aí, no jogo seguinte, caso seja um jogo em dia seguido, Yao está fora desde o começo da partida, então é preciso se acostumar com Brad Miller em quadra. Mas no jogo seguinte é o Yao Ming quem joga, e aí a bola tem que ir pra ele. E assim o Houston não tem padrão nem ofensivo, nem defensivo.

É claro que os problemas se extendem: com a saída de Trevor Ariza para dar espaço para Kevin Martin, a defesa de perímetro do time sofre um absurdo. Tirando Yao Ming, nenhum jogador do elenco é capaz de dar um único toco, então impedir infiltrações é ainda mais essencial – coisa que Kevin Martin e Aaron Brooks não conseguem fazer. Kyle Lowry, que é um defensor melhor na armação, passou todo o começo de temporada contundido. Quando voltou, Aaron Brooks já estava fora e assim permanecerá por mais um mês. E o próprio Yao Ming, quando começou a reclamar que deveria no mínimo voltar a jogar partidas em dias seguidos para não ferrar com a química do time, acabou torcendo o pé e ficando fora pra valer. E com o Yao nunca tem lesão simples, a torção deixou uma lasca de osso no pé dele, e o tempo de recuperação foi mais longo do que o esperado. O retorno deve ser no comecinho de dezembro.

Mas dentre todos esses problemas, o que mais afeta o Houston é mesmo a impossibilidade de criar uma rotação e um padrão de jogo definidos. As primeiras derrotas da equipe foram todas por muito pouco, nos minutos finais, em bolas decisivas. Era preciso manter um ritmo e deixar que o time aprendesse a fechar os jogos. Mas não, a rotação mudou tanto que a equipe não sabe mais o que precisa fazer para mudar o placar da noite anterior. Uma hora joga com Brad Miller, que arremessa de três e não defende, na outra joga com Chuck Hayes, que só defende mas é nanico, aí coloca o Jordan Hill em quadra, que consegue pular mas é desmiolado. Não seria surpresa uma hora dessas o Tiririca entrar em quadra e passarem a bola pra ele normalmente, como se nada estivesse acontecendo. Não basta apenas ficar esperando o Yao Ming voltar de contusão e rezar pra ele não se contundir de novo – o que já é difícil o bastante – porque quando ele estiver em quadra ainda haverá incerteza, minutos limitados, padrões diferentes de jogo. Nessas circunstâncias, a temporada do meu Houston provavelmente foi pelo ralo.

As coisas no Miami Heat são um tanto parecidas. Não tem ninguém com minutos limitados, mas assim que o time começou a mostrar fraquezas e precisava buscar um ritmo para engrenar, começou a ficar claro que quase todo mundo lá é quebra galho e não tem, ainda, papel definido. Culpa, em parte, das contusões. Mario Chalmers poderia ser titular na vaga do Carlos Arroyo, mas se machucou nas férias e ainda está fora de forma. Mike Miller poderia jogar de SF para que finalmente o LeBron pudesse ser escalado oficialmente como PG e resolveria, em parte, as dificuldades da equipe com o arremesso de três pontos, mas ele só volta no fim de dezembro. Udonis Haslem, que não decidiram ainda se é reserva do Bosh ou se joga ao lado dele, sofreu uma lesão séria no pé e agora pode estar fora por toda a temporada. E para tapar o buraco no garrafão, o Heat acaba de contratar Erick Dampier, que pega a temporada no meio e vai ter que correr tanto na parte física quanto na parte tática.

Todo mundo tinha aquela pergunta básica sobre o Heat, “quem é que vai decidir os jogos?”, mas essa é menor das preocupações do elenco. Wade e LeBron continuam batendo cabeça no perímetro porque nenhum deles é um arremessador consistente de três pontos, e a resposta para isso nunca aparece porque uma hora o James Jones está em quadra, outra hora é o Eddie House quem tem mais minutos, tem hora que o Arroyo é que arremessa mas sempre com a incerteza sobre ter a posição porque ele não defende nem tem a função de armar o jogo, tem hora que é o Wade o responsável pela armação, o Mario Chalmers é sempre um dúvida se vai entrar ou não, e o Mike Miller continua lá lesionado e com cara de menina. Sabe como o Pacers deu um pau no Heat? Toda vez que LeBron e Wade fizeram o pick-and-roll, a marcação da equipe de Indiana deixou o armador livre e seguiu os jogadores de garrafão, fechando o caminho para a cesta. Pronto! Não requer prática tampouco habilidade! O treinador do Pacers, Jim O’Brien, chegou a dizer que se o Heat tivesse acertado alguns dos seus arremessos teria dado uma surra no P
acers, porque é sempre uma tática arriscada deixar jogadores tão bons constantemente livres para arremessar. Mas nessa equipe em que os coadjuvantes não têm papéis e rotações definidas, sem arremessadores de três designados, dá pra arriscar numa boa.

O meu Houston vai ter que tomar decisões duras que vão definir, agora, a carreira de Yao Ming. Quando voltar da nonagésima contusão de sua vida, jogará em dias seguidos? Continuará jogando apenas 24 minutos? Vale a pena arriscar a saúde de um jogador numa temporada praticamente perdida? Pior: vale a pena manter um jogador que pode arriscar sua saúde num time de temporada perdida? Como o contrato do Yao termina ao fim dessa temporada, o Houston precisa decidir até onde está disposto a seguir com essa bagunça – e começar a dar as respostas agora, o quanto antes, para definir o que fará mais para frente.

No caso do Heat, parte da solução para o problema é aguardar os jogadores voltarem de contusão, mas o mais importante é tomar um banho de água bem gelada. O time precisa de estabilidade na rotação e nas funções em quadra, mas como esperava estar vencendo tudo logo de cara e todo mundo quer arrancar o coitado do técnico Erik Spoelstra de lá para colocar seu chefe Pat Riley no lugar, cada hora o time acaba tentando um troço novo pra ver se funciona. Não dá pra criar um padrão se o técnico precisa fazer qualquer coisa pra vencer ou seu emprego vai pro saco, o cara nunca vai pensar em criar uma equipe a longo prazo, ele vai pensar é em pagar o leitinho das crianças. O Spoelstra é um bom técnico, ele só está com a cabeça a prêmio, um elenco cheio de buracos, lesões pra burro, e muita dificuldade de coordenar o ataque. E o problema é que, pra consertar o ataque, ele deixa de se focar na sua especialidade, que é a defesa, e aí o Heat se ferra ainda mais por culpa das falhas defensivas. É preciso respirar e se concentrar em coisas específicas e transformá-las em padrão. Vamos ganhar os jogos com a defesa e se focar só nisso? Vamos. Vamos tornar o James Jones o arremessador designado e deixar ele em quadra o tempo todo? Vamos. O buraco no garrafão ainda vai continuar, LeBron e Wade ainda vão sofrer com o arremesso, e o Mike Miller ainda vai ter cara de menina lesionado no banco de reservas, mas as coisas já iriam melhorar um bocado.

>Preview 2010-11 / Houston Rockets

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Um dia comum na rotina de Yao Ming, após acordar e antes de passar na padaria


Objetivo máximo: Passar da primeira rodada dos playoffs pra mostrar que não foi sorte
Não seria estranho: Não se classificar para os playoffs, ficando na 9a posição
Desastre: Ter o Yao Ming contundido mais uma vez
Forças: Um elenco cheio de especialistas e disposto a jogar coletivamente
Fraquezas: A falta de uma estrela para decidir os jogos e séries mais complicadas, já que o Yao é de vidro
Elenco:










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Técnico: Rick Adelman

Quando o Adelman assumiu o Blazers em 1989, o time era bom o bastante para chegar aos playoffs mas batia cabeça em quadra, não tinha identidade nem padrão ofensivo. Sob comando do Adelman, foram para os playoffs na temporada que ele assumiu e para a Final do Oeste nos três anos seguintes, ganhando o Oeste duas dessas vezes. Esse é um bom exemplo do que esse técnico pode fazer com um bom elenco. Quando assumiu o Kings em 98, tornou aquele elenco bacanudo num dos times mais legais de assistir de todos os tempos, levando-os a múltiplas finais do Oeste. O truque é uma versão modificada da “Princeton Offense“, de que tanto falamos no preview do Cavs. A versão do Adelman se foca mais no jogo entre dois jogadores do que no de três, costuma tirar os pivôs de dentro do garrafão para que eles possam passar a bola para jogadores cortando pelo fundo, e pede mais velocidade e correria ao invés da enorme quantidade de passes e jogo contido da “Princeton Offense”. Adelman gosta de contra-ataques e, assim como naquele Suns do Mike D’Antoni, insiste que os arremessos rápidos são melhores do que ficar passando a bola por 24 segundos. Seu ataque é criativo e instintivo, com pouca intervenção do técnico e muita liberdade para os jogadores. Os dois armadores trocam constantemente de papel um com o outro e em geral são os pivôs que iniciam as jogadas com um passe na cabeça do garrafão.
Todos os jogadores dizem que o sistema ofensivo do Rick Adelman é uma delícia de jogar, há liberdade para inovar e improvisar, velocidade e no entanto não tem porra-louquice, as movimentações são bem planejadas. O problema é que além de ser um sistema complexo para aprender e se acostumar, o fato de que ele precisa de criatividade e improviso exige jogadores inteligentes ou que, no mínimo, consigam manter calma e naturalidade nas movimentações. Além disso o sistema deve responder à defesa, sem que existam jogadas fixas, o que costuma deixar as estrelas de lado. Rick Adelman não vai chamar 40 jogadas seguidas para o Yao Ming, a bola deve chegar no pivô naturalmente, quando for possível, como resultado da postura da defesa. É comum ver estrelas jogando pelo Adelman sem receber a bola por longos minutos, o que não lhes deixa muito contentes, e no final dos jogos isso é sempre um problema. Os times de Adelman são famosos por amarelar nos jogos decisivos em parte porque não é natural para o sistema ofensivo colocar a bola nas mãos de um jogador só e deixá-lo decidir. O Kings fodão dos anos 2000 perdeu jogos fantásticos porque a última bola caía nas mãos de um Stojakovic livre – um baita arremessador que se borrava de medo de dar o último arremesso, mas que por estar livre deve receber as bolas no ataque de Adelman. 
O Houston sem Tracy McGrady e sem Yao Ming foi um sonho para o Adelman porque não havia qualquer estrela para encher o saco, seu ataque era seguido à risca, todo mundo recebia as bolas apenas quando elas faziam sentido, e a campanha da equipe foi fenomenal – mas não o bastante para ir para os playoffs numa Conferência Oeste disputada como nunca. Na temporada anterior, o Houston sem T-Mac e com Yao contundido levou o Lakers para um Jogo 7 na semi-final do Oeste, mas não foi o bastante para vencer. Ou seja, o esquema é lindo de se ver, envolve todo mundo, mas não costuma ser muito decisivo.
Além disso, o Adelman é famoso por saber lidar com todo tipo de personalidade. Ron Artest foi para o Houston por afirmar que o Adelman era o único técnico que o respeitava de verdade, e a postura “foda-se, faça o que quiser” do Adelman dá cabo de qualquer jogador-problema. No entanto, dizem que ele é meio relaxado, principalmente nos treinos, e deixa os jogadores livres demais às vezes. Não dá pra agradar todo mundo… 
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Esse Houston Rockets de agora levou bastante tempo para entender a fundo o sistema ofensivo do Rick Adelman. No começo, executavam tão mal no ataque que o Adelman tinha que chamar todas as jogadas, uma por uma, todos os jogos, na lateral da quadra. Aos poucos Aaron Brooks foi se acostumando com a armação, o elenco de especialistas sem estrela alguma abraçou a causa, os jogadores são incrivelmente inteligentes e executaram tudo com perfeição, e o Adelman pode dormir feliz mesmo com um elenco limitado. Em suas próprias palavras:
“Às vezes você tem alguns times que talvez não sejam tão talentosos quanto outros times, mas certamente dá para tirar deles o mesmo que você tiraria de times melhores. Se você consegue com que joguem com todo seu potencial, e joguem duro todas as noites e se esforcem todas as noites, isso já é satisfação. Você não vai ter sempre o melhor time.” 

Mas para vencer nos playoffs, o time precisa de ajuda. Apesar de já ter provado que pode jogar sem Yao Ming, aumentando a velocidade dos contra-ataques e se focando mais nos arremessos de três pontos, com Yao em quadra o time ganha um defensor embaixo do aro – mantendo a tática, implementada por Jeff Van Gundy, de fazer com que a defesa afunile os jogadores em direção do Yao e de repente se choquem numa parede de quase 2,30m. Além disso, Yao é um excelente passador da cabeça do garrafão, essencial para iniciar as jogadas de Adelman, e o time é muito melhor com ele em quadra. 

Infelizmente o pivô chinês será limitado a 24 minutos por jogo, o que não tem qualquer relação com sua sexualidade, mas é uma grande sacada para evitar lesões em um esqueleto que não foi feito para carregar aquele peso e aquela altura pulando de um lado para o outro numa quadra de basquete. Quando ele estiver em quadra, ótimo, mas quando não estiver caberá ao recém-chegado Brad Miller assumir a função de pivô passador e arremessador. Brad Miller teve o melhor momento de sua carreira jogando no Kings do Rick Adelman e mostrou ser um excelente passador, além de sólido arremessador de 3 pontos. Na maioria dos outros times, seria mal usado, mas ele nasceu para jogar para o Adelman. Agora, com e sem Yao, o Houston terá um padrão de jogo no garrafão e poderá correr menos, poupando um pouco o fôlego durante a temporada regular.

Como parceiros de garrafão de Brad Miller e Yao Ming, o Luis Scola vem de um Mundial espetacular e como sempre renderá bem no ataque com seu cérebro super-desenvolvido encontrando os espaços livres, enquanto Chuck Hayes cuidará da defesa apesar de ser anão simplesmente incomodando os adversários, cutucando a bola e sendo o marcador mais irritante de toda a NBA. Com a saída de Trevor Ariza, agora Shane Battier volta a ser titular, o que aumenta o QI da equipe em oito mil pontos, garantindo a defesa de perimetro e a movimentação impecável do ataque, com os clássicos arremessos de três da zona morta. Courtney Lee, também nova aquisição, deve ser o reserva do Battier nas funções defensivas enquanto Chase Budinger (que poderia ser estrela de vôlei mas escolheu ir jogar basquete mesmo sendo pior) e seus arremessos precisos de três substituirão Battier no ataque.

A aquisição mais importante da equipe, no entanto, chegou já na temporada passada, mas estava lesionada e demorou para compreender o sistema ofensivo. Trata-se de Kevin Martin, um dos melhores pontuadores da NBA e que detesta a ideia de ter que carregar um time nas costas. Agora, em plena forma física depois de um longo regime de reabilitação e treinamentos nas férias, diz estar pronto para tomar as rédeas do time quando for necessário. Ou seja, Kevin Martin não vai se importar de estar num esquema coletivo que não colocará a bola em suas mãos, mas se diz disposto a decidir as partidas com seu enorme arsenal de movimentos de infiltração (e capacidade mutante de cavar faltas). Ao contrário de T-Mac, que só rende quando joga com a bola nas mãos o tempo inteiro, Kevin Martin brilha por se movimentar bem, arremessar ao receber a bola depois do corta-luz, e pode manter a bola nas mãos justamente nos momentos em que o Houston (e o Rick Adelman, em toda sua carreira) mas sofre: nos minutos finais. Creio que Adelman deve ter percebido que seu time perfeito, sem estrelas, e seguindo seu plano à risca, não foi o bastante para chegar aos playoffs, e que será necessário abrir espaço para Kevin Martin resolver algumas partidas. Se estiver ao lado de Yao Ming, que deve ser poupado para os minutos finais dos principais jogos, o Houston pode ser muito mais forte do que se imagina, com um excepcional elenco de apoio carregando o time quando necessário durante a temporada regular.

>Por um basquete divertido

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Um tem cabeça quadrada, o outro tem mullets, mas no fundo são todos irmãos

A gente está andando devagar nessa semana de feriado, afinal todo mundo merece botar a cabeça pra fora de casa de vez em quando – especialmente depois de passar tanto tempo sentado na privada, já que um carinha leitor do Bola Presa que reclamou da minha ausência perguntando se eu estava com caganeira acertou em cheio. Mas a verdade é que o Mundial de basquete também caminha devagar, sem surpresas, cheio de lavadas, e o negócio só esquenta hoje às 15h, quando o Brasil enfrenta a Argentina  por uma chance de ir às quartas-de-final. Com uma vitória, dá até pra sonhar com uma semi-final – e nada mais – e voltar pra casa com gostinho de sucesso. Especialmente porque, em pleno feriado em que as pessoas estão caçando, esperançosas, fotos da Sandy pelada para se entreter, assistir a uma partida de qualquer esporte entre Brasil e Argentina soa muito tentador. Podia ser até partida de bocha, desde que a galera pudesse torcer contra a Argentina e alimentar o ódio idiota. Os caras moram aqui do lado, falam uma língua parecida (espanhol é português com sotaque), têm uma cultura muito próxima, jogam basquete pra caralho, e a gente insiste em torcer para que eles morram. Vai entender.

Uma vitória do Brasil vai fazer um monte de tiozinho gordo de bigode fedendo a churrasco prestar mais atenção no basquete apenas porque fizemos alguns argentinos perderem, mas acho que o esporte nem precisa de muitos tiozinhos gordos de bigode, é melhor mesmo que eles continuem só torcendo para o Flamengo. O que importa mesmo é que um monte de pirralinho que torce contra a Argentina no futebol pode se empolgar com a partida de basquete, parar de procurar as fotos da Sandy e resolver dar uma chance pro esporte, num efeito dominó que vai levar algum gordo de bigode a colocar mais investimento nas categorias de base. Ridículo que isso tenha que vir às custas de um ódio por gente que fale enrolado, assiste Chaves e usa mullets, mas nosso esporte precisa muito desse aumento na auto-estima – e aumentar a auto-estima quase sempre implica em diminuir, xingar e descer o cacete em outra pessoa. Aliás, nossa noção de esporte implica bastante em odiar outra pessoa, e muita gente só torce para poder odiar os rivais. Gosto de imaginar que os leitores do Bola Presa são diferentes, que estão mais abertos a pensar o esporte de outras maneiras, que acham uma besteira esse lance pseudo-patriota e se preocupam com o esporte em si, sem fronteiras, mas além da terrível verdade inegável – existem torcedores do Jazz que nos leem – também há o fato de que todo mundo tem um tio gordo que vai xingar os argentinos amanhã e talvez se empolgue de verdade com a partida. Minha torcida, portanto, mais do que por uma vitória brasileira, fica para que seja um jogo espetacular, daqueles com 80 prorrogações, pra deixar todo mundo impressionado e com vontade de lotar os ginásios no Brasil e assistir NBA em outubro. Mas torço um pouquinho, confesso, para uma derrota argentina em parte só para o Luis Scola parar de jogar esse Mundial idiota e ir descansar um pouco para a temporada que vem no meu querido Houston.

Meu time sempre sofreu demais com os torneios internacionais simplesmente porque o Yao Ming era obrigado a jogar pela seleção chinesa durante suas férias da NBA. Quando uma cúpula de dirigentes chineses e americanos se uniram para acertar os detalhes de seu ingresso na liga, assim que ele havia sido draftado, ficou estabelecido que a seleção da China seria sua prioridade. Nem por um segundo, após descobrir uma fratura no pé de Yao que poderia ter sido escondida até o fim dos playoffs, o Houston cogitou a possibilidade de comprometer a presença do pivô nas Olimpíadas. Yao foi retirado das quadras e começou um processo de reabilitação focado única e exclusivamente nas Olimpíadas da China, e é claro que ao voltar para o Houston não estava em plenas condições físicas e acabou se lesionando de novo – e de novo, e de novo, como bom produto “made in Taiwan”.

Recentemente o Yao Ming afirmou que cogitava a aposentadoria caso sua lesão não melhorasse, afirmando que a seleção chinesa teria que se virar sem ele, e eu afirmei que esse discurso era apenas uma desculpa para que ele não tivesse que jogar nunca mais pela China sem soar um traidor. Dia desses, veio a confirmação: Yao admitiu estar em plena forma física, voltou a treinar com bola sem limitações em Houston, e afirmou que sua entrevista havia sido mal entendida por aquelas bandas, que ele apenas estava se afastando da seleção chinesa finalmente. Seus minutos serão limitados nos primeiros meses de temporada, mas Yao está pronto para voltar a ser titular do Rockets – e passar longe da seleção pelo resto da carreira.

Enquanto isso, seu parceiro argentino de garrafão não dá sinais de que um dia abandonará a seleção. Dá pra imaginar fácil o Luis Scola entrando em quadra de cadeira de rodas, vão ter que amarrar o pé dele na mesa da cozinha para evitar que ele tente entrar em quadra pela Argentina aos 60 anos de idade. Mas, ao contrário do peso patriótico que Yao carregava injustamente nas costas, Scola afirma que só quer jogar porque “acha divertido”. Admite que gosta de competir, seja qual torneio for, e que se diverte sendo a estrela, a peça mais importante da equipe – coisa que não acontece no Houston Rockets, em que ele tem papel secundário. Para Luis Scola, jogar pela seleção é uma chance de ser a maior arma no ataque, ganhar jogos sozinho, assumir responsabilidades. E faz tudo isso com tanta facilidade que chega a afirmar que os jogos pela Argentina são, pra ele, preparação para a temporada da NBA.

Cada vez mais essas partidas internacionais perdem a importância, e não é apenas no basquete: todos os outros esportes, até mesmo o futebol, sentem o fenômeno. Os melhores jogadores do mundo participam de ligas de alto nível – seja a NBA, seja o basquete europeu – em que podem enfrentar os outros melhores jogadores do mundo. A nacionalidade vira um troço um tanto secundário quando um russo defende uma equipe grega, jogando ao lado de um americano, ou quando um espanhol é campeão da NBA ao lado de um esloveno e um belga. É claro que tem o lado financeiro, são os times que pagam os salários dos jogadores e eles muitas vezes exigem dedicação exclusiva, mas tem também um outro fato mais simples: não dá pra se ter tudo, abraçar o mundo. O corpo humano não aguenta. Se o jogador fica exausto jogando pelo seu time e ainda vai jogar pela seleção nas férias, vai ter um rendimento ruim nas duas competições. Quando se dá ao corpo o devido descanso, na maior parte das vezes é preciso escolher – e aí a escolha é óbvia, opta-se pela melhor liga, pela de mais evidência, pela de mais estrelas, pela de maior salário, e com isso o basquete de seleções fica em segundo plano. Num mundo em que as ligas são tão internacionalizadas, a simples ideia de um torneio entre seleções faz cada vez menos sentido e ele vai sendo deixado de lado. Não é babação de ovo em cima da NBA, como dizem que a gente faz, que “eles são soberanos”, porque o mesmo se aplica a qualquer campeonato europeu por aí. O nivel é alto, tem gente do mundo inteiro, e jogar por uma seleção só acaba tendo valor em casos muito específicos – tipo o Brasil, que precisa chamar atenção para o seu basquete, ou
o Scola, que está se divertindo.

A Argentina de Scola, campeã olímpica, teve um valor muito maior do que forçar os americanos a levarem seus principais jogadores para retomar o posto de vencedores (até porque eles já mostram que não precisam dos melhores jogadores num troço bobo como o Mundial). Scola e seus amigos provaram que os melhores jogadores de basquete do planeta podem estar em qualquer lugar, até mesmo num país cheio de mullets e tango na América o Sul. Pode até ser na China, em que os habitantes deveriam ser supostamente pequenos e frágeis, ou na Grécia, ou na Espanha, ou na Turquia. Todo mundo agora joga basquete de alto nível, esse posto de “país número um do basquete” é terra de ninguém, e ele sequer faz mais sentido e nem é mais necessário. Juntem gregos, turcos, espanhóis e argentinos e misturem tudo, em quantas ligas pudermos, as mais divertidas possíveis. É só isso, sem ter que pisar em ninguém, nem afirmar a nação de ninguém. Para quê tocar hino antes do jogo? O basquete é de todo mundo.

É por isso que o Luis Scola é um monstro absurdo: além de jogar na NBA e na seleção sem se contundir ou se cansar, além de ter mostrado que é um dos melhores do planeta mesmo sendo argentino e sendo incapaz de pular a altura de uma gilette, ele joga para se divertir, para aceitar papéis diferentes, para variar. Não perde um jogo pela seleção da Argentina, mas sabe que sua prioridade é o Houston, em que ele divide o garrafão com um chinês e enfrenta tantos estrangeiros quanto é possível.

Para a partida de hoje entre Brasil e Argentina, então, basta que ela seja divertida, muito divertida. A pataquada de seleção vai ficar de lado se todo mundo que acompanhar o jogo se maravilhar com a beleza do espetáculo, e resolver acompanhar os trocentos torneios sem fronteiras – não apenas a NBA, repito – a que temos acesso hoje em dia e que não estavam ao alcance de qualquer um alguns anos atrás. A internet faz mágica, manda as fronteiras pela privada porque podemos acompanhar a tudo, e ao vivo. Então, mesmo em caso de derrota do Brasil, esteja pronto para distribuir links, blogs, canais de televisão e informações úteis para o seu tio gordo de bigode. Se ele se divertir, vai querer mais – e todo o resto é desimportante. Se for bacana, a seleção vai ter desempenhado mais do que bem o seu papel. Agora, por outro lado, se der pancadaria com a Argentina… aí fizemos papelão, pega a participação do Brasil e joga no lixo. Precisamos de basquete bonito e bem jogado, então minha principal preocupação é justamente essa: que não haja pontapés.

>Trocando figurinhas

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Darren Collison joga como o Chris Paul, se move como o Chris Paul, 
se veste como o Chris Paul, mas tem a cara do Rajon Rondo
Tudo começou com o Hornets tendo duas figurinhas repetidas. A gente bate nessa tecla faz um tempo por aqui, de que adianta ter seus dois melhores jogadores jogando na mesma posição sendo que eles não podem estar em quadra ao mesmo tempo? Isso é legal se o resto do time chuta traseiros, mas não, o Hornets tem um elenco muitíssimo limitado e não pode se dar ao luxo de ter um jogador tão bom no banco. Um dos dois precisava dar o fora, ser trocado por outros jogadores para serem titulares, e na minha cabeça sempre foi o Chris Paul por ser mais cobiçado e muito, muito mais caro. Quando ele começou a chorar as pitangas querendo ir para o Knicks, achei que era a hora finalmente do Hornets fazer a troca e comecei a pensar na terrível maldição que às vezes parece assolar as camisetas de NBA no Brasil, sempre que lançam uma camiseta aqui o cara é trocado (não faz muito tempo que fiquei babando numa camiseta do Chris Paul numa loja por aí). Mas parece que convenceram o Chris Paul a ficar, então o escolhido foi seu coleguinha pirralho de posição: Darren Collison.
Do Hornets a gente fala melhor amanhã, em outro post. O que importa é que o Collison vai para o Pacers, que fez até sacrifícios de carneiros para conseguir um armador qualquer. Quando escrevemos sobre cada um dos times que não foram para os playoffs, ainda na temporada passada, afirmei que o Pacers com um armador de verdade provavelmente estaria na elite do Leste. A equipe de Indiana é uma daquelas que caiu no famoso “conto do TJ Ford“: você olha pra ele e vê um armador veloz, explosivo, com pulmão pra ir ali na Lua e voltar, mas quando coloca ele em quadra descobre que ele não passa a bola, enlouquece o resto da equipe, não toma uma única decisão correta e não tem qualquer coisa que lembre vagamente um arremesso. Muitos times se apaixonaram pelo TJ até descobrirem que ele te ganha um jogo e depois te perde dez, e nem adianta melhorar o elenco ao redor dele porque ninguém vai ver a cor da bola. Fora que ele se contunde o tempo inteiro porque não tem noção do que está fazendo, invade o garrafão como estiver, e o corpo dele não aguenta tanta porrada depois das lesões na coluna vertical que ele sofreu em quadra. A situação do TJ em Indiana ficou tão complicada que resolveram guardar ele no armário e não tirar mais. Não chegou ao absurdo que foi o Jamaal Tinsley, que um dia chegou pra trabalhar no Pacers e não tinha mais o nome dele em nenhum armário do vestiário, mas sempre deixaram claro que o TJ Ford não jogaria mais pela equipe. Acabaram voltando atrás, no desespero ele até entrou em quadra, mas o armador está oficialmente sendo oferecido em trocas desde que o homem inventou a roda. 
Se o TJ Ford fosse um pivô grandão, alguém teria aceitado a troca porque o talento dele é uma tentação mesmo, mas a fama de destruir equipes não pega nada bem justo numa geração que repentinamente ficou com fobia de sujeitos como Marbury e Allen Iverson. Uma década atrás o TJ Ford venderia milhões de camisetas e teria espaço em qualquer equipe da NBA, mas hoje em dia a mentalidade é outra e esses tipos são considerados cânceres a serem exterminados. Então, na falta de uma troca possível e depois de uma proposta pro Bobcats pelo DJ Augustin ter miado, o Pacers foi com tudo atrás do Darren Collison. Só tiveram que envolver outros dois times na parada e aí conseguiram, foi facinho.
O que o Pacers mandou foi o Troy Murphy, ala fodão que não muito tempo atrás teve seu talento roubado pelos Monstars, do “Space Jam”. Ele tem um jogo muito refinado, arremessa de qualquer lugar da quadra – inclusive da linha de três pontos – com naturalidade, e é uma máquina de pegar rebotes. Tem dificuldades defensivas e não joga bem de costas para a cesta, mas seria útil em qualquer time. Quando chegou no Pacers, simplesmente desaprendeu a jogar basquete e sumiu da mídia, mas voltou aos poucos e ainda quebra um belo de um galho. O jogador de garrafão será mandado para o Nets, que precisava muito de um jogador da posição. No elenco atual do Nets, o novato Derrick Favors seria titular imediato ao lado de Brook Lopez. Por um lado é bem legal colocar um calouro direto no fogo e mandar um “se vira”, dar moral, crédito, e deixar o cara feder bastante até pegar o jeito, como foi o que aconteceu com o Kevin Durant. Mas é que tem gente, como o Kwame Brown, que simplesmente desapareceria da NBA se fizessem algo desse tipo (tá explicado, o Kwame desapareceu mesmo). Não é todo mundo que tem cabeça pra aguentar a pressão de ser titular num time que só perde, como deve ser o Nets na temporada que vem, e ninguém quer queimar o jogador. O Troy Murphy garante que o Favors possa vir do banco ou então ser titular e jogar menos minutos, quando a coisa estiver mais pesada. Ao fim da temporada que vem o contrato do Troy Murphy vira farofa, o Favors já pode ser titular absoluto com uns pelinhos pubianos a mais no corpo, e o Nets ainda fica com espaço salarial para tentar – de novo – uma grande estrela para talvez salvar a franquia. Foi um plano seguro, de quem não tem pressa para ganhar mas que sabe exatamente o que está fazendo (ao contrário do Wolves, mas isso é outra história).
Já o Nets, pra participar dessa suruba, mandou o Courtney Lee para o Houston Rockets, que por sua vez mandou o Trevor Ariza para o Hornets. Como torcedor do Houston que assistiu a praticamente todas as partidas da equipe na temporada passada (e que bizarramente assistiu a uma caralhada de partidas do Nets pra entender o porquê deles federem tanto), posso dizer que estou muito feliz com a troca. Por mais fã que eu seja do Ariza, seu estilo de jogo era completamente descartável no Houston. Ele é um baita defensor, mas para estar em quadra exigia que o Shane Battier (um dos melhores, se não for o melhor, defensor da NBA) estivesse no banco. No setor ofensivo, lhe faltava domínio de bola para criar o próprio arremesso, coisa que o Kevin Martin passou a fazer, e seus arremessos de três são inconsistentes, ao contrário do novato Chase Budinger, que é um monstro no perímetro. As bolas de três são essenciais para o esquema tático do Houston e o Ariza sempre ficou desconfortável em quadra. Brilhava mesmo nos contra-ataques, e nisso deixará saudades, mas não muitas. O Courtney Lee também é espetacular nos contra-ataques, é um excelente defensor, e desde novato já se sentia mais à vontade para criar o próprio arremesso. Nos playoffs com o Magic, era normal ele ser o único jogador da equipe a ter coragem de arremessar nos primeiros minutos, e acabou recebendo o fardo de decidir um punhado de partidas (lembro dele errando um arremesso decisivo no final de uma partida das Finais contra o Lakers). É notório o quanto ele ficou puto de ser trocado para o Nets porque queria vencer, decidir jogos, estar nos playoffs, nunca aceitou estar na equipe de New Jersey e foi um dos que mais criticou o começo historicamente ruim de temporada do time, exigindo explicações do elenco e da comissã
o técnica. Ou seja, o Nets claramente se livrou dele porque ele é chato demais para ficar numa equipe que ainda pretende feder por mais uns anos. No Houston, vai criar o próprio arremesso, arremessar de três, jogar no contra-ataque e defender – e o melhor, nada disso é na mesma posição que o Shane Battier! Vai ser reserva do Kevin Martin e talvez até do Battier, em escalações mais baixas, e ainda terá minutos e oportunidade de ir para os playoffs. A troca é melhor do que parece para o Houston primeiro porque o Courtney Lee é melhor do que se imagina, é excelente ladrão de bolas e arremessador de três pontos, e segundo porque ele é mais barato do que o Ariza e o Houston já está acima do teto salarial. O Ariza não saiu caro, mas reassinar Luis Scola e Kyle Lowry era mais essencial e saiu uma pequena fortuna, foi preciso dar um jeito nas finanças.
O Ariza deve se sentir muito mais à vontade no Hornets com os contra-ataques puxados pelo Chris Paul e sendo o principal defensor da equipe. Não é nenhuma estrela para que o Chris Paul queira jogar em New Orleans até o fim da vida, mas é melhor do que o resto do elenco e o Hornets ainda conseguiu mandar para o Pacers, além do Darren Collison, o James Posey. O Posey fez fama no Celtics campeão uns anos atrás, porque ele é realmente um jogador sólido pra burro que ajuda qualquer equipe que queira ganhar um título – coisa que o Hornets não é nem nunca foi. Seu salário é grande demais para um simples carregador-de-pianos, mas será útil no Pacers se eles conseguirem ir para os playoffs. A equipe de Indiana sempre jogou numa correria excessiva (talvez fosse o simples fato de estar dentro do raio de 2 quilômetros da presença do TJ Ford) e não conseguia acionar as armas ofensivas que tem, nem o espetacular jogo de costas para cesta do Roy Hibbert. Eu sou todo apaixonadinho por essa nova safra de pivôs da NBA, porque além dos jogadores que estão mais na midia, como Dwight, Kaman, Bogut e Brook Lopez, ainda tem sujeitos como o Marc Gasol e o Roy Hibbert que podem ser os melhores da NBA na posição e a gente nem percebe direito. São todos muito técnicos, com pés rápidos e muita habilidade perto da cesta, e o Roy Hibbert (que já teve umas atuações monstruosas na temporada passada, tipo quando ele humilhou o Dwight Howard) é um dos melhores dessa safra. Com um armador de verdade, deve mostrar mais serviço e o Pacers passa a ser um time a ser levado a sério.
Meu único medo, no entanto, é com a qualidade do Darren Collison. Quando ele virou modinha na temporada passada todo mundo cravou ele como um dos melhores armadores dessa geração, e ele realmente chuta uns traseiros, mas grande parte da responsabilidade por isso era o esquema tático do Hornets. Analisei um pouco isso ainda na temporada passada, quando o garoto começou a explodir. Não é que o esquema do Hornets tenha feito o Collison bom, mas é que o Collison é bom para o esquema do Hornets. Por ser excelente ladrão de bolas, ter muita calma na hora de armar, cuidar bem da bola, ser um dos armadores mais rápidos da NBA e arremessar todo torto, se encaixava bem no papel do Chris Paul, em que ele passava o tempo inteiro com a bola nas mãos e só puxava contra-ataques depois dos roubos de bola. Se no Pacers a bola passar tempo demais nas mãos de Danny Granger e o time só jogar no contra-ataque, veremos algumas fraquezas do Collison expostas (como seu arremesso simplesmente quebrado), e algumas de suas melhores qualidades (como acalmar o jogo e tomar as decisões mais simples na hora de passar a bola) serão ignoradas. Se o Pacers não mudar o modo de jogar e simplesmente colocar o Darren Collison no meio daquela bagunça, ele será apenas um jogador normal. O truque é lhe dar a bola e não exigir que ele seja acionado para arremessar, mas será que o Granny Danger topa a brincadeira?

>Yao e a seleção brasileira

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Yao e Nenê têm tanto em comum que até andam de braços dados

Dia desses, Yao Ming afirmou em entrevista que se aposentará caso sua lesão no pé não evolua como esperado, que seu físico precisa ser poupado e que deixará de defender a seleção chinesa. Não se trata de um aviso de aposentadoria e nem é razão de pânico em Houston. Ao contrário do que se imaginava, sua lesão teve recuperação acima da esperada e Yao está em excelente forma física, pronto para atuar no primeiro jogo do Rockets na temporada. A afirmação de Yao Ming foi dirigida, implicitamente, ao seu país natal. Depois de anos sacrificando seu corpo pela seleção chinesa, Yao tentou se livrar desse fardo sem soar um desertor ou traidor.

Num dos posts mais sérios do Bola Presa, comentei sobre o papel que o chinês teve em aproximar duas culturas tão distintas. A China deixou para trás velhos esteriótipos e valores e rendeu-se a um modo americano ao mesmo tempo em que Yao mudava seu modo de agir e jogar dentro das quadras. Foi um projeto longo com seu ápice nas Olimpíadas, quando a China provou ao mundo que não era um país bizarro em que se come baratas, é apenas outro país com shoppings, grifes, marcas, muito dinheiro, e força para vencer no quadro de medalhas. Yao não apenas foi o pilar da campanha digna da seleção chinesa de basquete nas Olimpíadas, foi também responsável por uma missão diplomática: aos americanos, apresentou uma China simples e digna de respeito nas quadras e fora delas; aos chineses, apresentou os Estados Unidos como algo que pode ser tocado, compreendido, imitado. Quanto mais americano o Yao se tornava, melhor ele unia as duas culturas rumo às Olimpíadas. Lá, todo mundo se deu as mãos e agora ninguém tem medo da China ser “comunista” e nem acha que os chineses são fracotes, desnutridos, pobres ou que ficam citando pérolas de sabedoria. O projeto está terminado, a China cresce vertiginosamente, Yao é um ídolo que ficará para a história, e os Estados Unidos acham tudo isso bonitinho, são parceiros. Pronto. Agora, finalmente, o pobre pivô pode escapar de jogar por aquela seleção capenga.

É cada vez mais normal, tanto no basquete quanto no futebol, jogadores priorizarem suas equipes ao invés de se dedicarem às suas seleções. Na NBA, cada vez mais as grandes estrelas pedem dispensa de suas seleções para poder descansar, treinar, se concentrar em seus times. Isso faz muito sentido em nossos tempos. Vivemos na geração da internet, em que as fronteiras físicas são cada vez mais arcaicas e desnecessárias. Estamos ligados às pessoas por interesses em comum, não importando em que país vivam, e não estamos presos a um modo de pensar ou de agir exclusivo dos nossos vizinhos. Não existem mais limitações geográficas, tenho mais a dizer a um sueco fã do Houston Rockets do que teria a um brasileiro torcedor do Ipatinga – e agora eu posso dizê-lo. Antes, jogar por uma seleção era amor à pátria e a única chance de que algumas estrelas pudessem jogar em seus países, na frente de seus amigos, parentes e compatriotas. Agora, pátria é um conceito que definha até à morte, podemos acompanhar as nossas estrelas – e as estrelas de qualquer país – através da televisão e da internet, podemos eleger nossas estrelas e nossos times graças a afinidades de estilo ou ideologia, e não por terem nascido dentro da mesma linha imaginária em que nascemos. Recentemente, sem televisão, assisti à final do Campeonato Paulista numa transmissão pela internet de um canal polonês. Eles podem torcer para o Santos ao invés de para um time mequetrefe da Polônia. Bobagem essa história de “amor à pátria” quando sequer compreendemos mais o conceito de pátria. Podemos ver o Barcelona e assistir ao campeonato de handball polonês, para que servem as fronteiras? Frente a um basquete nacional de péssima qualidade, podemos assistir à NBA e escolher nossas estrelas entre as que mais se encaixam em nossas crenças pessoais.

Não faz mais sentido o Yao se sacrificar para jogar por uma seleção. Mesmo ele, que carregava todo um projeto cultural nas costas, pode se ver agora livre dessa bobagem. Yao chegou à NBA com a temporada já começada, quando novato, porque estava treinando com seu país. Abandonou o Houston com uma fratura por stress porque precisava se poupar para as Olimpíadas. Adquiriu a tal fratura por ter jogado durante as férias por sua seleção. Desde que entrou na NBA, Yao nunca teve férias graças à seleção chinesa. Suas lesões, cansaço, fraturas, tudo resultado de uma temporada cruel de 82 jogos e de uma seleção cruel que tinha algo a provar para o mundo. Até que uma lesão muito séria lhe tirou de quadra no meio de uma série de playoffs, não foi capaz de jogar durante toda a temporada passada, e agora volta debilitado ao time. Apenas se tiver seus minutos limitados em quadra e férias ao fim de cada temporada, Yao poderá render alguns anos ainda. Para garantir isso, o Houston trouxe de volta Luis Scola, que chuta traseiros no garrafão mesmo sem conseguir pular um centímetro sequer, e adicionou Brad Miller, um dos melhores pivôs de todos os tempos quando se trata de arremessar e passar a bola. O Houston disse que pagaria o preço que fosse para manter o Scola, ele segurou as pontas de um time sem garrafão, é muito consistente, ganhou alguns jogos sozinho, tem cérebro pra jogar com o Rick Adelman e quebra até um galho de pivô sempre que precisa. O Brad Miller já foi mais na cagada, ele foi disputado por muitos times mas topou ir para Houston apenas pelo carinho que tem pelo Rick Adelman, já que jogou pelo técnico em seus tempos de Kings. Assim como Yao prefere jogar arremessando e dando passes na cabeça do garrafão, Brad Miller passou a vida fazendo justamente isso. Na verdade, o papel que Yao exerce no time é apenas uma imitação do que o Brad fazia no Kings antigamente. Nada melhor, então, do que trazer o original (mesmo que velho e empoeirado) para dar descanso ao Yao. A situação não poderia ser melhor para o chinês, que terá dois grandes jogadores de garrafão pela primeira vez na vida, poderá descansar vários minutos por jogo, e conseguirá pela primeira vez dedicar-se exclusivamente à NBA. Para o Houston, o que parecia um projeto de reconstrução virou de repente um time promissor e imediato: McGrady deu o fora e cedeu lugar para Kevin Martin, um dos melhores pontuadores da NBA, e até o armador reserva Kyle Lowry, que é bizarramente essencial para o time, foi recontratado. Reconstrução mesmo precisa rolar na seleção chinesa, mas isso é outra história.

Curiosamente, apesar de minha felicidade com a fuga de Yao da seleção e nossa atitude contra o conceito tolo de “patriotismo”, estou torcendo muito é pela seleção brasileira que disputará o mundial de basquete agora no fim de agosto. Em geral, não vemos porque dar cobertura especial para Leandrinho, Nenê ou Varejão apenas por eles terem nascido na mesma linha imaginária em que nascemos, mas dessa vez o caso é especial. Como sempre, faremos uma cobertura do Mundial de Basquete assim como fizemos das Olimpíadas, com foco nos jogadores da NBA, mas comentaremos bastante da seleção brasileira simplesmente porque nela reside as chances do crescimento do esporte em nosso país. Todos nós sabemos do apuro que é acompanhar ou praticar basquete no
Brasil, de como falta apoio, incentivo, verba e até credibilidade. Nosso basquete esteve afundado durante décadas em corrupção, amadorismo, mal gerenciamento, foi ignorado pela mídia e pelas torcidas. Nós aqui do Bola Presa já tentamos, muitos anos atrás, levar a prática do basquete a sério, e recebemos muitos e-mails de gente que tenta seguir carreira na área, e portanto estamos cientes das dificuldades. O basquete precisa ser levado a sério no Brasil para que surjam reais oportunidades de praticar, acompanhar, torcer e escrever sobre o esporte que amamos.

Nossa postura por aqui sempre foi a de acompanhar o melhor basquete do mundo, afinal basquete é basquete, não importa o país, e a atenção do público brasileiro cresce cada vez mais com relação à NBA nos últimos anos. O público do Bola Presa aumenta mês a mês, sem parar, e tratamos isso como um interesse legítimo em basquete, puro e simples. Nosso formspring fica cada vez mais abarrotado de perguntas de iniciantes, gente querendo saber quais são as regras do esporte, onde se assiste, quem são as estrelas. E é tudo molecada, gente que está chegando agora e que não está sofrendo com a saída do Jordan, está é se divertindo com a última temporada do Kobe. Isso é ótimo, faz o esporte crescer, e o Bola Presa sempre teve a intenção de tornar a NBA mais fácil, gostosa e divertida de acompanhar num país com tão pouca cobertura de qualidade a respeito.

No entanto, para que as mídias convencionais levem basquete a sério, para que exista verba para as categorias de base, para que possamos assistir basquete ao vivo de qualidade, não adianta só a NBA. Precisa haver sucesso na seleção. A gente percebe bem rápido que brasileiro gosta mesmo é de torcer pela seleção brasileira. O patriotismo cada vez mais vira farofa, todo mundo tem camiseta do Barcelona e tem carinha aí querendo arrancar cabeças rivais porque torce para o Utah Jazz mesmo tendo nascido no Acre, mas mesmo assim fica todo mundo louco para acompanhar a seleção brasileira. Confesso que não entendo muito bem, assim como não entendi o motivo de tanta gente que achava a seleção do Dunga repulsiva ter torcido mesmo assim ao invés de torcer por outras seleções mais legais, mas o fenômeno é óbvio e precisamos aceitá-lo. Para o esporte ser levado a sério aqui por essas bandas, a seleção brasileira precisa ter sucesso nesse Mundial de Basquete.

Enquanto Yao tira férias de uma camiseta vermelha para se focar em outra, a do meu amado Houston Rockets, os jogadores brasileiros da NBA precisam se concentrar na seleção brasileira acima de tudo. Num momento em que seleções de países fazem cada vez menos sentido, a China dependeu da sua para mudar toda uma cultura, e agora dependemos da nossa para que o esporte que amamos receba o apoio que merece. Não faz sentido o basquete ser deixado de canto por aqui e a garotada ter tanta dificuldade em conseguir jogar seriamente. A solução, bizarramente, está nas mãos de Nenê, Varejão, Splitter e Leandrinho. Depois de tanta incompetência e falhas de tantos dirigentes por anos e mais anos, o peso acaba caindo nos jogadores que deveriam estar se esforçando é por suas equipes, que sempre lhes deram plenas condições de atuar em alto nível. Mas, assim como ocorreu com Yao, às vezes os jogadores precisam assumir pesos que não são seus. Desempenhar funções maiores do que eles mesmos.

>Casamentos perfeitos

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T-Mac, se liga, é a última vida!
A principal diferença entre Tracy McGrady e Kevin Martin, dois grandes jogadores que acabaram de ser trocados, é que um sempre quis ser estrela enquanto o outro se tornou estrela meio que por acaso. Quando T-Mac foi draftado pelo Raptors, não via a hora de deixar o time que pertencia ao seu primo Vince Carter para poder brilhar em um time que fosse inteiramente seu. Conseguiu uma equipe só para ele no Magic, onde descobriu que carregar uma franquia inteira nas costas é uma merda. Ele queria ser estrela e conseguiu, foi cestinha da NBA duas vezes seguidas, mas aprendeu que sem um elenco decente não é possível ganhar jogos. Foi ficando cada vez mais frustrado, mais insatisfeito, até que não aguentou mais e chutou duas bolas pra fora da quadra:

O mais engraçado desse vídeo é que o T-Mac parece bem calmo até que, de repente, uma vontade incontrolável de ser expulso lhe toma o corpo, enquanto o Juwan Howard tenta desesperadamente impedí-lo de chutar a bola porque se o McGrady não estiver em quadra não iria sobrar ninguém no Magic capaz de amarrar o próprio cadarço. Após esse incidente a troca foi inevitável e o T-Mac foi ser estrela no Houston, onde ele sabia que, com o apoio de uma outra estrela, poderia ser campeão.
O Yao Ming é meio tímido, não tende a dominar jogos, e o McGrady nunca deixou de carregar nos ombros a responsabilidade pela equipe. Dava discursos sobre ser a estrela, sobre recair sobre ele o peso da vitória, e garantiu que se a equipe fosse eliminada nos playoffs a culpa seria sua. Mas aí ele jogou bem pra burro, fez tudo que poderia, foi eliminado mesmo assim e aí – depois do lendário choro na entrevista coletiva – percebeu que a culpa era do resto do time. McGrady sempre balançou de um lado para o outro nessa história de assumir a responsabilidade ou delegá-la para a equipe, mas nunca cogitou não ser a estrela, o astro principal. Quando as dores nas costas começaram a destruí-lo e minar seu tempo de jogo, disse que esperava ser campeão logo para poder se aposentar. Estava apenas esperando as honras para poder se livrar do fardo.
Kevin Martin é o extremo oposto. Foi draftado com a vigésima sexta escolha depois de jogar numa faculdade obscura e mal entrava em quadra pelo Kings, até acertar o arremesso da vitória contra o Spurs nos playoffs de 2006.
Quando lhe deram mais minutos na temporada seguinte, ele explodiu apesar do seu jogo silencioso, quase invisível, em que marcou mais de 20 pontos por jogo dando o menor número de arremessos por partida de toda a NBA. Quando a temporada terminou e Kevin Martin tinha números incríveis, havia batido recordes com o número de lances livres cobrados e convertidos, o Kings lhe ofereceu um questionável contrato de 55 milhões de doletas por 5 anos, um contrato que nem a mãe do Martin esperava. Tanta grana para um jogador que não era uma estrela, vinha de apenas uma grande temporada e se portava timidamente em quadra foi uma ação duramente criticada. Um salário de mais de 10 milhões por ano deveria ser entregue a alguém que pudesse carregar nas costas o Kings inteiro, algo que não parecia ser o caso de Martin. Ele virou estrela pela grana que recebia, pelas suas estatísticas, não por quem ele era. Embora seus números sejam de um pontuador nato, Kevin Martin arremessa pouco, não tem um drible devastador, não arma o jogo e não tem explosão rumo à cesta nem força física. Tem um corpo de quem ainda escuta os álbuns da Xuxa e descobriu agora que meninos tem pipi, não gosta de ser um líder e não é vocal na quadra, preferindo ficar quietinho. Ele é apenas um jogador coadjuvante, mas bom demais, eficiente demais, pontuador demais, ladrão de bolas demais, para ser considerado coadjuvante. O Kings achou que ele merecia 55 milhões então ótimo, sorte dele que vai ter grana para comprar muitos álbuns da Xuxa e enfiar o resto nas orelhas.
Assim que Tracy McGrady chegou no Knicks, agiu como estrela. Ele é obviamente o jogador mais talentoso da equipe, o mais experiente, e apesar de estar completamente sem ritmo de jogo começou como titular. Exigiu a bola nas mãos logo de cara, atacou a cesta mesmo sem qualquer sinal de velocidade, e fez os torcedores explodirem com duas cestas com falta ainda no primeiro quarto. Movido pela torcida amalucada do Knicks, arremessou e bateu para dentro do garrafão sempre que deu na telha, colocando em prática o seu “veteranoból”, aquele basquete de velhinhos que não envolve pulos, força ou velocidade, e se aproveita das manhas de quem sabe onde estar na quadra, como enganar a pirralhada e como usar os juízes ao seu favor. Para alegria do técnico Mike D’Antoni, que estava desesperado por um armador desde que o Chris Duhon caiu de produção de uma temporada para a outra, McGrady é inteligente o bastante para armar o jogo, tem boa visão de quadra e encontra os companheiros livres com os passes certos, mas tudo isso sem correr. O resto do time batendo para a quadra de ataque como gatos no cio e o McGrady trotando devagarinho, na velocidade em que ele consegue, jogando de armador principal pela primeira vez na carreira. Ainda assim cansou logo e mal participou da prorrogação, em que o Eddie House provou que sem o Garnett para comer o seu fígado se ele fizer cagada (e com o D’Antoni que quer mais é que todo mundo arremesse mesmo) ele vai arremessar o tempo inteiro, ganhar uns jogos sozinho e perder dez vezes mais jogos por culpa sua e de sua falta de cérebro.
A estreia do T-Mac foi digna de uma estrela, de um jogador que domina o esporte, se encaixa em qualquer lugar, sabe chamar a torcida e sabe como conseguir pontuar do jeito que bem entender. Falta oxigênio, joelho, ter nascido quando já existia internet, mas fora isso ele ainda é espetacular. Só que, como em todo o resto de sua carreira, para ele ser estrela e chamar a responsabilidade para si é preciso um time horrível à sua volta que lhe trará derrota atrás de derrota. Cada vez mais cansado, questionando se seria capaz de enfrentar o Celtics depois de sentir dores no joelho após duas partidas, T-Mac faz o que consegue. Mas ele não consegue vencer.
Já a estreia do Kevin Martin foi, assim como ele, muito mais discreta. Começou no banco de reservas, o que é muito sensato porque ficaria bem feio colocar Ariza ou Battier no banco depois de tudo que eles fizeram juntos na temporada até agora. K-Mart começou devagar, arremessou algumas bolas quase por obrigação, tentou não participar muito, e foi ajudando a equipe em todos os aspectos mesmo sem seus arremessos caírem: roubou bolas, pegou rebotes, soube encontrar seus companheiros livres. Quem não prestou atenção nem reparou que ele estava em quadra. Em sua segunda partida, instruído a arremessar mais, acabou errando mais. Mas só dá para notá-lo por causa do arremesso esquisito, do jeito engraçado que ele joga, porque ele nunca chama o jogo, jamais compromete a equipe, nunca dá para xingá-lo. Ganhará os jogos cobrando lances livres, arremessando bolas de três apenas quando estiver livre, preferindo cavar o contato ao invés de tentar um arremesso forçado. Ele não é uma estrela mesmo que tenha números de estrela, mesmo que bata recordes, que sua eficiência o coloque estatisticamente ao lado de lendas como Michael Jordan e Nate Archibald.
O Knicks precisa de atenção. Precisa de audiência na TV, marketing, barulho, o que for preciso para atrair as grandes estrelas ao término da temporada, já que a equipe terá dinheiro para assinar dois contratos máximos. T-Mac é perfeito para isso, ele será uma estrela mesmo aos 80 anos, mesmo quando não acerta os arremessos, mesmo na derrota. Já avisou que o que ele quer da vida é poder jogar, e que está mais do que disposto a assinar um contrato pequeno e permitir que duas estrelas venham jogar com ele em contratos máximos. Está se preparando para sumir nas sombras, brilhando agora para se tornar ajudante na temporada que vem. São os últimos suspiros do McGrady que conhecemos, mesmo que ele não ganhe uma partida sequer. Ainda que para o Knicks perder não dê resultados porque a escolha de draft desse ano não é deles (o Sampa City me avisou nos comentários que a escolha era do Jazz, e aí fui descobrir que o Knicks mandou para o Suns quando trocaram pelo Marbury), o que importa mesmo, mais do que as vitórias, é o T-Mac ter bons números para iludir outras estrelas a jogar com ele. O casamento foi perfeito para os dois, nem importam os resultados.
O Houston sente falta de Carl Landry, único pontuador do time em quartos períodos, e perdeu suas duas partidas até agora no final porque a equipe não sabia como marcar pontos de modo algum. Mas o casamento com o Kevin Martin também é perfeito, um jogador inteligente e discreto que não quer ser e nem nunca será uma estrela. Ele pode ajudar como quiser, como conseguir, sem nunca ter que chamar a responsabilidade que se espalha por todo o elenco graças ao planejamento de uma vida toda do técnico Rick Adelman. Cansei de ver o Rafer Alston querer decidir jogos pro Houston e eu tendo um aneurisma cerebral, e ando cansando do Aaron Brooks querer bancar o herói em momentos impróprios. É um alívio ver que o Kevin Martin vai eventualmente começar a ganhar jogos, decidir partidas, tudo daquele jeito estranho de moleque de 12 anos que não sabe jogar basquete, e eu nem vou perceber quando ele errar porque é inteligente e discreto. Quando acertar também não vai querer ser estrela, não vai reclamar de minutos, de vir do banco, de não ter certo número de arremessos. Enquanto até o Travis Outlaw diz que estava louco para sair do Blazers porque lá ele nunca teria o número de arremessos que merece, o Kevin Martin entra para a história com o menor número de arremessos para atingir sua média de pontos. Não consigo imaginar alguém que se encaixe tão bem no atual momento do Houston, mesmo que as derrotas continuem vindo. Essa sim é uma equipe, ao invés do erro lendário de juntar duas estrelas e ver o que acontece. Com o Houston não deu certo, será que dará com o Knicks?
Por que tantos times acreditam que, juntando dois jogadores fantásticos, ganharão títulos? Contusões, elenco de apoio, tática, psicológico, identidade, química – uma tonelada de fatores que vão muito além de ganhadores de contratos máximos. O Celtics percebe que, com outro clima no vestiário, tem menos chances de ser campeão apesar de reunir tanta gente fantástica no mesmo lugar, todos com contratos máximos e alguns a preço de banana. É por isso que desejo boa sorte para quem T-Mac receber como ajuda na temporada que vem. Como torcedor feliz com a equipe pela primeira vez em anos, acompanhando o basquete coletivo e sem estrelas do Houston Rockets, prefiro ficar com o Kevin Martin.

>Estando bom para todas as partes

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Kevin Martin e Artest agora têm algo em comum além do sorriso bobo:
deixaram de ser estrela para ser coadjuvante em Houston
Nessa temporada, o Houston Rockets não é o time de Yao Ming ou de Tracy McGrady: ele é o time do técnico Rick Adelman. Pela primeira vez em sua carreira, Adelman tem um time inteiro nos seus moldes, capaz de executar com perfeição suas loucuras tática, um elenco profundo, recheado de especialistas e sem uma estrela sequer. A equipe surpreendeu no começo da temporada chutando um punhado de traseiros, escalando rumo ao topo do Oeste e provando que a filosofia de jogo do Adelman poderia levar à vitória um time visto como mais-ou-menos. Mas esses não são os Jogos Escolares de São Bernardo, e sim a conferência Oeste da NBA. O nível é cada vez mais alto, os times mais emparelhados, e uma sequência simples de vitórias ou derrotas é a diferença entre ser líder da conferência e estar fora dos playoffs. Sem um líder em quadra, sem uma estrela capaz de trazer tranquilidade ao time e garantir cestas fáceis e decisivas nos finais dos jogos, o Houston foi de fininho escorregando para fora da zona de classificação. De repente, o Rick Adelman não parecia mais tão genial – e nem tão feliz – assim.
Por essa razão, o técnico do Houston foi entregando cada vez mais liberdade e responsabilidade nas mãos de Aaron Brooks e Carl Landry. O armador Brooks é o único disposto a arremessar sem parar nos finais de partida, e o Landry é simplesmente o líder em pontos no quarto período de toda a NBA. No entanto, abrir essa exceção tática para os dois deixava Rick Adelman cada vez mais frustrado, tudo porque o Brooks não tem muito cérebro e dá arremessos bastante idiotas, enquanto o Landry compromete o time na defesa. Ainda assim, parecia melhor do que deixar Tracy McGrady entrar em quadra com sua falta de ritmo, falta de defesa e postura de estrela. Não importa que T-Mac tivesse treinado como um maluco nas férias com os melhores treinadores do mundo, ao lado de Dwyane Wade. Não importa que T-Mac estivesse se dizendo saudável pela primeira vez em anos. Rick Adelman não queria comprometer sua visão de um time coletivo e perfeito, não queria sujeitar seu elenco de carregadores de piano à dúvida de McGrady jogar ou não jogar todas as noites, graças às suas incessantes contusões. Preferiu tentar salvar a temporada desde o começo retirando o mal pela raíz. Sobrou pro T-Mac, que não tinha nada com isso.
Sua troca era inevitável. Tracy McGrady está no último ano de um contrato que lhe paga 23 milhões de doletas, ou seja, deixa salivando qualquer time interessado em liberar espaço salarial para a temporada que vem com poluções noturnas pelo LeBron James. Mas a troca não poderia ser por alguma outra estrela, por um jogador que comprometesse o trabalho do Adelman. Os engravatos de Houston acreditam no técnico, o elenco de ajudantes de luxo em quadra acredita nele, então o poder está nas mãos do homem. Durante vários dias, os boatos indicavam que T-Mac seria trocado por mais uma série de ajudantes de luxo: se fosse para o Knicks traria Jared Jeffries e Al Harrington, se fosse para o Sixers traria Iguodala e Dalembert. Chega a ser engraçado imaginar uma equipe com Trevor Ariza, Shanne Battier e Andre Iguodala, três dos melhores defensores da NBA, capazes de se encaixar em qualquer equipe e ajudar uma estrela a ser campeã. Mas conseguiriam ganhar alguma coisa ajudando apenas uns aos outros? Seria um excelente experimento sociológico, quase tão bom quanto Big Brother, mas sem sexo debaixo do edredom.
Na última hora, o Sixers vetou a troca. Parece que eles ainda estão convencidos de que o Iguodala pode ser campeão sozinho, sem uma estrela, e preferiram viver em seu mundo de fantasia com o Coelhinho da Páscoa, o Papai Noel, a Alinne Moraes e todas essas coisas que não existem. Restou então mandar o T-Mac para o Knicks, mas aí o Kings apareceu.
O Sacramento virou um dos meus times favoritos nessa temporada. Sempre fui fanático pelo jogo pouco ortodoxo do Kevin Martin (por “pouco ortodoxo”, é claro que eu quero dizer “ridiculamente bizarro”) e fiquei muito interessado em descobrir o porquê do time vencer com ele fora, contundido. Foi aí que o Tyreke Evans começou a jogar um absurdo, cravou seu nome como o calouro do ano antes mesmo do meio da temporada, conquistou o coraçãozinho do Denis e transformou o Kings numa das equipes mais divertidas de se assistir em toda a NBA. Declarei em outro post meu amor súbito pelo Kings e como abandonei jogos do Houston para acompanhar a equipe do Evans (mas não contem pra ninguém!), e depois assisti atento ao Kevin Martin voltar de contusão e tentar se encaixar com o futuro novato do ano. Eu não fiquei convencido de que a dupla não funciona, ficou bem claro que os dois têm problemas para se encaixar em quadra mas pareciam estar aprendendo aos poucos. Mas a verdade é que os dois jogam melhor quando não estão juntos, tendo o jogo armado pelo Beno Udrih, e é compreensível que com as derrotas acontecendo em massa desde a volta do K-Mart, o Kings não quisesse sentar e ficar assistindo ao apocalipse. Até porque, poucas semanas atrás, eles estavam indo para os playoffs, exatamente como o Houston.
A troca então foi a seguinte: o Kings mandou o Kevin Martin para o Houston e o Sergio Rodriguez para o Knicks. O Knicks mandou o Jared Jeffries, o Larry Hughes e o Jordan Hill para o Houston. E o Houston mandou o Tracy McGrady para o Knicks e Carl Landry e Joey Dorsey para o Kings.
Pro Knicks, a troca é simples. O contrato gigante do Larry Hughes ia acabar mesmo, o essencial era se livrar do Jared Jeffries. Não que ele seja ruim, pelo contrário, o Mike D’Antoni sempre disse que o Jeffries foi o jogador que mais lhe deixou impressionando quando ele chegou em New York. Mas é que o burro do Isiah Thomas deu pro Jeffries um contrato de quase 7 milhões por ano apesar dele ser simplesmente um jogador secundário, versátil porque pode jogar em todas as posições (todas mesmo, de armador a pivô), bom defensor, mas irrelevante no ataque. No Knicks que não defende, que fede inteiro, de que serve um carregador de piano que ganha uma fortuna? Seu contrato duraria ainda mais uma temporada, e se livrando dele o Knicks fica finalmente pelado como queria, pronto para oferecer toda a grana disponível para as estrelas desempregadas na temporada que vem. Restaram apenas 4 jogadores com contratos para a próxima temporada no Knicks: o Danilo Gallinari, o Toney Douglas, o Wilson Chandler e o gordo do Eddy Curry, que o time tentou desesperadamente trocar mas ele está tão gordo que não passou pela porta e não conseguiu sair do ginásio. Como o contrato do T-Mac termina também, o Knicks abriu mão do novato Jordan Hill (que o D’Antoni odiava) e de uma escolha de primeira rodada para se livrar do Jeffries e nadar em dinheiro para a próxima temporada. Dá pra oferec
er dois contratos máximos, ou seja, segundo a política do Isiah Thomas dá pra oferecer dois contratos com valores máximos para gênios como o Kwame Brown e o Sasha Vujacic.
Para o Kings, a troca foi um belo jeito de se livrar do contrato gigante do Kevin Martin, dar o time inteiro nas mãos do Tyreke Evans, contratar outro jogador que se encaixe melhor com ele na temporada que vem, e de quebra ainda levar o Carl Landry. Já faz um tempão que o Kings tem problemas para pontuar no garrafão, já que o pivô Spencer Hawes prefere arremessar de três e o James Thompson é genial mas prefere o arremesso de média distância. O Landry é um cara que não defende, não pega rebotes, não assobia, não lava a louça, não conta até dez, mas se você lhe der a bola debaixo da cesta, ele dará um jeito de pontuar. Chega a ser surreal, ele arruma um jeito dando porrada, na força, no jeitinho, com ganchos, na marra, reverses, pagando propina para o juíz, qualquer coisa, mas ele consegue. Será perfeito para vir do banco do Kings assim como fazia no Houston e pontuar no quarto período, momento em que o Kings tem perdido a imensa maioria dos seus jogos. O time é imediatamente melhor agora, dá espaço pra molecada e arruma um antigo problema. É com dor no coração e lágrimas nos olhos que eu vejo o Carl Landry ir embora, mas ele estará numa equipe que precisa dele e que, com sua presença, só tende a melhorar.
Mas para o Houston a troca tem tudo para dar certo também. Dia desses me perguntaram que estrela poderia ir para o Rockets sem lascar com a química e a visão do Adelman, e sugeriram o Joe Johnson por ser um armador completo e pontuador que não é individualista. Eu sempre achei que o jogador perfeito para o Houston seria o Michael Redd, que ele seria o par perfeito para o Yao, que permite tão bem que os seus companheiros arremessem livres de três pontos. Na falta dele, não consigo imaginar um jogador melhor do que o Kevin Martin para cumprir esse papel. Não só é um dos meus jogadores favoritos, ele também é um excelente arremessador de três pontos, quieto, discreto, sem problemas com ego ou com companheiros de equipe, e é especialista em cavar faltas e cobrar lances livres quando o time precisa de pontos fáceis ou não tem nada caindo. Se o K-Mart jogar minutos limitados e sempre estiver em quadra ao lado de Ariza ou Shane Battier (ou até de Jared Jeffries, mais um grande defensor nesse time cada vez mais defensivo e versátil), sua defesa patética não será um problema tão grande, ele será muito útil impedindo que o Aaron Brooks arremesse tanto, tornará o perímetro mais perigoso e cavará mais faltas nos momentos de pânico, quando o Houston não consegue manter o plano do Adelman porque os arremessos não caem e o Brooks se desespera. É exatamente o que o Rick Adelman queria: um jogador secundário, especialista, disposto a cumprir uma simples função em quadra ao invés de ser uma estrela, cargo que o Martin nunca quis assumir em Sacramento. É um ajudante perfeito para um time formado por ajudantes, com a diferença de que ele ganha quase 10 milhões de doletas por ano. No Kings pagavam e esperavam que ele fosse o líder da equipe, assim como no Knicks pagavam para o Jeffries e esperavam que ele evoluísse ano a ano. No Houston, os dois podem encher as orelhas de dinheiro para ser simples coadjuvantes, do mesmo modo que o todo o resto da equipe. Sem essa cobrança, os dois vão logo se sentir em casa, o coitado do Kevin Martin nunca quis ser nada além de coadjuvante e o Kings resolveu lhe pagar um contrato de 55 milhões, completamente inesperado, achando que ele levaria a franquia para algum lugar – justo ele, o cara menos vocal do mundo, o único cara do planeta que não gostaria de ser líder no Big Brother. Além disso, se o Jordan Hill souber pontuar um pouco e não der motivos para o Aldeman odiá-lo tanto quanto o D’Antoni odiava, a troca terá sido perfeita, com mais um carregador de piano para substituir o Landry nem que seja um pouquinho. Até o Larry Hughes tem jogado bem e, se tiver minutos bem limitados, pode quebrar um baita de um galho enquanto o Kyle Lowry está contundido. Aliás, a troca terá sido perfeita para todas as partes. Até para o Knicks, que com tanto nome e fama vai conseguir levar duas estrelas de peso na temporada que vem. Pode não ser o LeBron, mas alguém topa a brincadeira. Afinal, eles não são o Clippers. E o Kings continua sendo um dos times mais divertidos de acompanhar, dessa vez com o líder de pontos no quarto período. Será o bastante para levar a pirralhada para os playoffs?
EDIT: Pois é, ao contrário do que algumas fontes apontaram, o Larry Hughes foi para o Kings e não para o Houston. Então ao invés de ser um reserva quebra-galho pro Lowry, ele vai ser só um contrato de 13 milhões que expira e deixa o Kings com grana pra fazer o que quiser, gastar com estrelas, jogos, bebidas ou mulheres. Se ele entrar em quadra, ainda mais depois que o Francisco Garcia está de volta de contusão, é porque alguém tomou um tiro em quadra.

>Liberdade ainda que tardia

>

T-Mac machucado lendo revista de mulher. Ele ofereceu 50 conto para não publicarmos a foto.

Quando Tracy McGrady chegou ao Houston Rockets, era sua primeira chance de ser a estrela de um time de verdade. Isso porque, no caso do Magic, chamar aquela joça de “time” era ser bastante bonzinho – o único outro jogador de verdade era o Grant Hill, que não chegou a jogar por contusão. Em Houston as coisas mudaram bastante: T-Mac era o grande reforço que tornaria Yao Ming campeão, mas as contusões lascaram os dois. O time, que agora é um time de verdade, segura as pontas sozinho a ponto de nem pensar mais em McGrady. Em Orlando era ele quem segurava um time que não existia, em Houston o time é tão bom que não precisa dele.

Em nenhum desses dois extremos T-Mac poderia dar certo. Quando foi cestinha da NBA seus esforços eram inúteis e foi, como todo grande jogador em time medíocre, tratado como perdedor, nos moldes de Kevin Garnett. Quando jogou em um time coletivo, não conseguia produzir sem reter a bola e diminuir o ritmo da equipe, decidiu passar a bola e foi tratado como amarelão, assumiu toda a responsabilidade pelo time nos playoffs e aí o elenco lhe deixou na mão nos momentos cruciais. Nunca houve um momento de equilíbrio, uma situação em que ele precisasse do time tanto quanto o time precisasse dele.

O técnico Rick Adelman sempre sonhou com um tipo bastante específico de basquete: coletivo, em que todos participem do ataque, criativo, com total liberdade para os jogadores, e baseado na constante movimentação de cada uma das peças da equipe. Na teoria é lindo, cheio de borboletas e pôr-do-sol e fadinhas coloridas, mas na prática exige uma caralhada de jogadores inteligentes que entendam perfeitamente a filosofia por trás dessa brincadeira. O Kings regido por Adelman, quando finalmente pegou o jeito, era uma maravilha de ver. Não ganhou bulhufas, tinha problemas claros, mas funcionava tão bem basicamente pela inteligência de três jogadores:
Vlad Divac
, Chris Webber e Mike Bibby. Os dois primeiros figuram entre os melhores passadores de todos os tempos dentre jogadores de garrafão. O terceiro estava sempre disposto a dar o passe certo, sem frescuras – motivo pelo qual foi amado-idolatrado-salve-salve quando chegou à equipe no lugar do firulento Jason Williams, que curte a ideia de passar bolas enquanto equilibra pratos no nariz. Quando mais Rick Adelman teria outra oportunidade de encontrar jogadores tão eficazes, inteligentes e capazes de colocar sua filosofia ofensiva em prática?

O Houston Rockets parecia uma boa ideia (o Yao Ming é um excelente passador, e não é porque eu tenho fetiche por chineses gigantes não), mas o time era lento, tinha dificuldades em correr, segurava demais a bola e faltavam arremessadores. Tanto Yao quanto T-Mac sofreram bastante tentando abraçar as ideias de Adelman, porque quando faziam a bola rodar, eram criticados por não serem agressivos. Por um bilhão de vezes, Yao chamou uma marcação dupla no garrafão e passou a bola para fora, onde ela girava de encontro a um arremessador livre. Não é exatamente o que se espera de uma estrela de seu calibre passar um jogo tendo arremessado apenas um par de vezes. Eu nunca aceitei muito bem como o Yao era mal aproveitado no esquema, mas era um caso em que a postura do técnico sempre falou mais alto do que os jogadores que deveriam obedecê-la. Não interessava se havia um chinês gigante e um dos maiores cestinhas de todos os tempos na NBA, a postura ofensiva do Rick Adelman já chegou montada e não era maleável. O time que se adaptasse a ela.

É por isso que, justamente nas contusões de Yao e T-Mac, o sistema ofensivo floresceu. O resto do time, inteligente mas com menos talento, pressão ou potencial, parecia perfeito para o Rick Adelman. A escolha do Houston por trazer Trevor Ariza foi tratada com dúvida, “será que ele é jogador para ser estrela, para ser cestinha, para jogar sozinho, liderar um time?”. Ninguém entendeu que a comissão técnica procurava justamente isso, um jogador que não fosse estrela, que não pudesse jogar sozinho, que não tivesse pretenções de liderar uma equipe. Esperava-se mais um jogador secundário e inteligente, e isso todo mundo que assistiu ao entendimento relâmpago do Trevor Ariza com relação ao sistema de triângulos do Lakers sabia que o Houston tinha conseguido.

Não há estrelas, não há líderes, não há jogadores que possam dominar o jogo sozinhos. Finalmente a presença de Rick Adelman é maior do que aquilo que está em quadra, é quase como se fosse ele a jogar ali todas as noites. Nunca um elenco entendeu tão bem sua filosofia nem executou tão bem seu plano ofensivo. É o elenco mais inteligente em que o técnico colocou suas mãos, a rotação é definida, todo mundo compreende seu papel e faz diretinho sem reclamar. Pode não dar certo sempre, mas mesmo as derrotas saem sempre como planejado. Durante as últimas temporadas, Rick Adelman passava todos os jogos chamando as jogadas ofensivas em voz alta no banco de reservas, decidindo o que o time deveria fazer em cada posse de bola, e quando parava de fazê-lo – deixando o time tomar as próprias decisões – a coisa descambava para a pourra-louquisse (algo tipo o Knicks de hoje em dia) e ele voltava a chamar as jogadas. Nessa temporada, a câmera durante as partidas insiste em mostrar um Adelman em silêncio, coçando a cabeça, cutucando a barba, apertando o nariz. É a imagem mais clara de que seu plano deu certo. E a constatação óbvia de que ter McGrady de volta lhe dá mais arrepios de medo do que ter que ver a Playboy da Fernanda Young.

Foi por isso que o T-Mac saudável recebeu a postura do “vamos fingir que ele não está aí para ver se desaparece”, algo que o Pacers fez com o Jamaal Tinsley e que todos os seres humanos fazem com novela da Record. Mas no caso do Tinsley, o time arrancou até seu nome dos armários da equipe, a gente fica imaginando ele chegando para o jogo e não ter sequer onde se trocar, ao ponto de se esconder num cantinho da parede e ficar cantando músicas de ninar. Com o T-Mac a coisa foi bem mais sutil, falou-se sobre o medo de sua condição física, de ritmo de jogo, pavor de que ele voltasse a desmanchar o joelho – tudo bastante infudado porque ele passou as férias inteiras treinando com os melhores e competindo com jogadores de peso da NBA. Mas tudo também bastante justificável, tendo em vista que voltas apressadas por parte do T-Mac tiveram resultados catastróficos. Então usaram isso como uma desculpa sincera e mantiveram McGrady longe das quadras o máximo de tempo possível, ao ponto da paciência torrar e do T-Mac aparecer para jogar, vestido com o uniforme, mesmo sem a liberação da equipe. Talvez o Rick Adelman quisesse sumir com a placa do T-Mac do vestiário do Rockets, mas preferiram uma abordagem mais diplomática. O problema é que, cedo ou tarde, não daria para manter a postura. Uma
hora ele teria que entrar em quadra.

Quando o Trevor Ariza foi pentelhado o jogo inteiro pelo DeMar DeRozan e deu uma cotovelada no ar (louvada seja sua falta de mira), acabou suspenso pela NBA. Além de umas piadinhas na equipe chamando-o de boxeador frustrado e da própria compreensão do Ariza de que ele perdeu a paciência e foi só isso (“me suspende, pronto, e depois deixa eu jogar”), a suspensão lascou a rotação da equipe e deixou bem claro aquele Tracy McGrady quietinho sentado no cantinho do banco, no maior estilo gordinho descoordenado que fica sentado encolhido esperando alguém escolher ele pra jogar na Educação Física. Não havia qualquer desculpa que pudesse impedí-lo de jogar e então, contra o Detroit Pistons, T-Mac entrou em quadra.
Shane Battier foi para o banco depois de uns minutos de jogo e McGrady entrou em seu lugar. Jogou por 7 minutos, até o final do primeiro quarto, e depois não voltou mais, com a desculpa de que não tem ritmo de jogo e não valhe a pena comprometer o ritmo da equipe por isso. Já foram três jogos e o que ocorre é sempre igual, esses minutinhos poucos e controlados. A torcida foi à loucura quando ele finalmente entrou em quadra, teve orgasmos múltiplos quando ele converteu sua primeira cesta, mas lá no fundo todo mundo vê a verdade, um T-Mac com dificuldades para correr, que não sabe para onde deveria passar a bola e que não defende nem ponto de vista. Nessa altura das coisas, não há muito que McGrady possa acrescentar que o time já não faça bem – pontuar, encontrar companheiros livres, arremessar do perímetro – e, ao contrário, sua saída debilita o time defensivamente, já que Ariza e Battier são excelentes defensores. Contra o Nuggets chegou a ser ridículo: assim que T-Mac entrou em quadra o Carmelo Anthony começou a devorar o Houston vivo com azeite e sal. Para que ele entrou em quadra, então? Por mais triste que seja, ele não é mais necessário.

O bonitinho dessa história é o discurso de Tracy McGrady, de que ele não tem nada a provar a ninguém: já foi All-Star sete vezes, cestinha da NBA por duas, frequentou os playoffs com constância. Tá bom que nunca passou da primeira rodada, nunca ganhou nada, mas deixou seu nome na história como um dos grandes de seu tempo. O que T-Mac diz querer é provar coisas para ele, provar que ainda pode jogar, que venceu suas contusões, que pode se encaixar. Seu discurso nunca soube encontrar um equilíbrio, em horas colocava todo o peso nas suas costas, em outras responsabilizava seus companheiros. Agora ele sabe que é desnecessário e no discurso só quer entrar em quadra e mostrar que pode jogar. Sem ser líder, sem responsabilidades, sem ganhar um título. Até porque essa postura é a mais capaz de lhe levar a um título. Nem ele nem nós, torcedores, podemos esperar grandes coisas: uns minutos aqui, outros minutos ali, umas bolas no último segundo, dar uma força no ataque em momentos específicos do jogo. Ou seja, tornar-se mais um jogador secundário e inteligente nas mãos de Rick Adelman. Se ele compreender que é apenas um grão de areia nas mãos do todo-poderoso técnico, jogará pouco e conquistará muito.

Será uma pena ver seu talento mal aproveitado, e muito possivelmente ele procurará outro lugar em que possa ter a bola nas mãos na temporada que vem, quando seu contrato finalmente termina. Mas se o seu discurso for real, o Houston será uma oportunidade fantástica de lhe tirar o peso nas costas, o caráter de estrela que sempre lhe podou o estilo de jogo, a fama de amarelão, as contusões que sempre lhe cobraram por um corpo que se esforça demais. É a chance que T-Mac tem de ser livre – tudo que ele tem que fazer é se deixar escravizar por Rick Adelman. A torcida de Houston vibra quando McGrady entra em quadra, resquício dos velhos tempos, mas a real felicidade está em vê-lo funcionando num papel limitado. Aplaudamos Tracy McGrady por tudo que ele fez, mas sejamos abertos àquilo que ele quer e pode fazer agora: vencer jogos, liberto das pressões que colocou em si mesmo. O engraçado é que trata-se do mesmo futuro que aguarda Yao Ming, desnecessário, pressionado, contundido. Que os dois, então, pequenos perto de Rick Adelman, possam ser livres.